WhatsApp, ajuda ou é um obstáculo para compreender Deus?

Não é a primeira vez que WhatsApp se torna notícia: no final de fevereiro de 2014, três dias após o famoso serviço de mensagem ter sido comprado pelo Facebook, parou de funcionar por algumas horas. As massivas reações refletidas nas redes sociais envolvendo o fato comprovaram a capacidade que WhatsApp tem de gerar uma claríssima dependência global.

WhatsApp é um programa que utiliza a Internet principalmente para enviar mensagens instantâneas e fotos. Ele é usado especialmente em telefones celulares. WhatsApp voltou ao centro da atenção mundial quando, em meados de novembro de 2014 habilitou um sistema que permite saber se o destinatário das mensagens enviadas pelo sistema leu ou não: se o remetente vê em seu telefone dois “risquinhos azuis” significa que o receptor leu a mensagem.

Já em 2013, um estudo da “Cyberpsychology: Journal of Psychosocial Research on Cyberspace” mostrava que o WhatsApp tinha sido motivo para a ruptura de uns 28 milhões de casais. As pessoas enviavam mensagens, mas também esperavam uma resposta imediata. Com a nova modalidade de comprovar a leitura das mensagens essa “expectativa de resposta” fica ainda mais acentuada e, compreensivelmente, com consequências não só nas relações dos namorados.

Sabe-se que, como sugerido por alguns psicólogos (por exemplo, Henry Echeburúa, da Universidade do País Vasco) WhatsApp pode gerar o mesmo vício de uma droga. Uma droga que apresenta sintomas externos, como a incapacidade de não só ficar vendo permanentemente o telefone durante o dia, mas também durante a noite; droga que incapacita para relacionar-se e olhar nos olhos do outro; droga que faz experimentar sensações como a impressão de que o telefone vibra sempre ou que cria a necessidade de estar sempre conectado, disponível e reagindo imediatamente aos estímulos que vêm “do outro lado do telefone”. De acordo com o estudo “A Comunicação dos estudantes por meio do WhatsApp”, um a cada três estudantes de 15 a 19 anos usa o WhatsApp em média durante seis horas por dia…

Em geral, as redes sociais e serviços de mensagens instantâneas como o WhatsApp criaram uma “forma mentis” nova nos modos e tempos de interação humana. Sendo estes estímulos sincrônicos e intempestivos exigem, para muitos, uma forma de resposta nas mesmas categorias. Que isso passe depois ao âmbito dos sentimentos só é um reflexo de que, na verdade, as experiências digitais supõem também reações afetivas que suscitam rejeição ou reforçam laços humanos porque, em última análise, as tecnologias são o que são os seres humanos que as usam.

De acordo com dados do WhatsApp, até agosto de 2014 esse serviço tinha 600 milhões de usuários. Só em Abril do mesmo ano tinha superado os 500 milhões. Números como estes manifestam claramente não só a penetração que esses serviços têm nos seres humanos, mas que também as relações humanas mudam nas suas formas. Sendo as relações humanas o ponto de partida (em quanto que são a nossa primeira experiência de alteridade, ou seja, de tratamento com outros) é compreensível que, consequentemente, condicionem para bem ou para o mal a nossa capacidade de relacionar-nos com Deus. Considere um exemplo simples, mas profundo: a oração. Em termos claros supõe o diálogo entre duas pessoas: a própria pessoa e Deus. Nesse diálogo, na maioria das vezes, somos nós que formulamos uma petição e esperamos a resposta. A era das tecnologias é também a era da impaciência: espera-se respostas e soluções imediatas, mas na vida de fé esse não é normalmente o caminho pedagógico que Deus usa para ajudar-nos em profundidade. Não é verdade que existe o risco de não saber esperar também na vida de união com Deus, cansar-nos e ir alimentando uma espécie de apatia religiosa ante a falta de respostas imediatas?

“Se não te respondo é porque estou fazendo uma pausa”, era um dos cartazes da marca KitKat após a implementação do sistema de WhatsApp em novembro de 2014. No fundo mostrava algo bastante real: o homem não está feito só para respostas imediatas a estímulos inesperados, mas também para refletir as suas respostas. E isso nos leva a pensar como a as respostas que não contam com o apoio da reflexão, que tantas vezes está unida à pausa e ao silêncio, dificilmente dão os melhores resultados.

Em 2012, Bento XVI escreveu um texto que parecia profeticamente antecipar os dois “risquinhos azuis” do WhatsApp e que coloca no centro essa virtude também esquecida na comunicação hodierna, o silêncio:

“O silêncio é parte integrante da comunicação e, sem ele não existem palavras com densidade de conteúdo. No silêncio ouvimos e nos conhecemos melhor a nós mesmos; nasce e se aprofunda o pensamento, compreendemos com maior clareza o que queremos dizer ou o que esperamos do outro; escolhemos como expressar-nos. Calando permitimos que o interlocutor fale, se expresse a si mesmo; e nós, não ficarmos apegados só a nossas palavras ou ideias, sem uma oportuna ponderação. Abre-se assim um espaço de escuta recíproca e se torna possível uma relação humana mais plena.

“No silêncio, por exemplo, capta-se os momentos mais autênticos da comunicação entre os que se amam: a gestualidade, a expressão do rosto, o corpo como sinais que manifestam a pessoa. “No silêncio falam a alegria, as preocupações, o sofrimento, que justamente nele encontram uma forma de expressão especialmente intensa. Do silêncio, portanto, brota uma comunicação mais exigente ainda, que evoca a sensibilidade e a capacidade de escuta que muitas vezes desvela a medida e a natureza das relações. Ali onde as mensagens e a informação são abundantes, o silêncio se faz essencial para discernir o que é importante do que é inútil e superficial.

“Uma profunda reflexão nos ajuda a descobrir a relação entre situações que à primeira vista parecem desconexas entre si, a valorizar e analisar as mensangens; isso faz com que se possam compartilhar opiniões ponderadas e pertinentes, originando um autêntico conhecimento compartilhado. Por isso, é necessário criar um ambiente propício, quase que uma espécie de “ecossistema” que saiba equilibrar silêncio, palavra, imagens e sons”

(Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais).

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