Quaresma: tempo de penitência e conversão
Dom Carlos Lema Garcia
A Leitura do Gênesis nos apresenta o final do dilúvio, em que Deus preservou Noé e seus filhos da destruição provocada pelas águas do dilúvio. É um momento de alegria: Deus promete não mais devastar a terra e estabelece uma aliança, cujo sinal é o arco-íris. Como ouvimos na Carta de São Pedro, através da arca, poucas pessoas foram salvas. Essa arca representa o Batismo, pelo qual nós somos salvos do pecado original e, pela Confissão, somos redimidos dos nossos pecados pessoais, graças aos méritos da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. Tudo isso é para nós motivo de esperança e de alegria.
O Evangelho deste domingo nos apresenta Jesus conduzido ao deserto, onde permaneceu por 40 dias, em jejum e oração; terminados os quais, foi tentado pelo demônio. A rigor, Jesus sendo Deus verdadeiro, uma Pessoa Divina com uma natureza humana completa, isenta de pecado, não tinha necessidade de fazer penitência, porque possuía o pleno domínio de suas inclinações e apetites humanos. Mas Ele quer deixar-nos um exemplo claro: temos que dedicar-nos à oração e à penitência para purificar-nos do pecado e da inclinação para o mal que sentimos em nossos corações. Por isso nos diz: O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho (Mc 1,15). Começamos os exercícios da Quaresma: contemplar a Paixão de Jesus, fazer a Via Sacra, ler os relatos da Paixão e fazer penitência pessoal. Tudo isso nos ajuda a perceber a grandeza do amor de Jesus, que passa ao nosso lado carregando a sua Cruz e nos convida: Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me (Mt 16,24).
Um dos prefácios da Quaresma ensina-nos que o jejum e a abstinência que praticamos neste período tem várias finalidades: corrigir os nossos vícios, elevar os nossos sentimentos, fortalecer o espírito fraterno e garantir a recompensa eterna. Sentimos a necessidade de uma maior purificação pessoal e este deve ser um dos nossos mais profundos desejos: mudar de vida, escutar a voz de Deus e conseguir uma conversão sincera. Corrigir os nossos vícios, ou seja, lutar contra as más inclinações que procedem do nosso interior: desejamos libertar o nosso coração, as nossas potências e sentidos de tudo aquilo que possa representar um obstáculo à união com Deus. A penitência permite cortar as amarras, as cadeias que nos prendem à terra, ao egoísmo, ao orgulho, à preguiça, à sensualidade etc. Ou seja, purificar os pecados em que caímos com frequência.
A penitência da Quaresma tem também a finalidade de elevar os nossos sentimentos: permite-nos usufruir desta verdadeira liberdade dos filhos de Deus. Se o nosso mundo interior estiver agitado (músicas, monólogo interior, pequenas críticas, etc.) não conseguiremos escutar a voz de Deus. A terceira finalidade é a prática do amor fraterno: superar as diferenças, os pequenos atritos e choques com o caráter dos outros. Podemos aproveitar estas pequenas diferenças para cultivar a virtude da paciência e ter o comportamento de quem se esquece das suas coisas para fazer os outros passarem um bom momento. Por fim, garantir a recompensa eterna: confiamos nas promessas de Deus porque Ele é fiel e nos concede as graças necessárias para crescermos na luta espiritual e purificarmos as nossas almas do pecado e das suas penas, para sermos admitidos na presença de Deus, no Céu, o único que realmente vale a pena.