Evangelho e Internet: as tecnologias digitais e a vida cristã*
D. Carlos Lema Garcia
Os meses de quarentena em razão da pandemia do novo coronavírus provocaram uma imensa mudança em nossos hábitos e sistemas de trabalho, estudo e relacionamento, porque o uso e a dependência da internet fizeram alterar consideravelmente a nossa vida: estamos muito mais ligados ou plugados na rede. Em meu caso pessoal, serviu-me para estudar alguns temas relacionados com a internet, expostos por diversos autores, e escrever esse livro, com o título: “Evangelho e Internet: as tecnologias digitais e a vida cristã”.
Nossa dependência da tecnologia transformou-se tanto que a internet quase pode ser considerada um artigo de primeira necessidade. O uso que dela fazemos talvez ainda não seja propriamente de primeira necessidade, mas está muito próximo disso. Hoje em dia, ao chegarmos a um lugar qualquer, imediatamente nos vem à mente a pergunta instintiva: Qual será a senha da rede de internet? Outro sinal bastante claro: basta uma queda ou falha nas conexões de internet para nos sentirmos quase de mãos atadas, sem saber o que fazer, ao perdemos o acesso ao mundo digital. A nossa dependência da internet atinge tudo o que fazemos: ler mensagens, realizar uma pesquisa antes de fecharmos uma compra, reservar uma passagem de avião, procurar textos e fontes de dados a respeito de determinado tema de estudo, assistir a vídeos, ouvir músicas ou simplesmente conversar.
Outra razão da forte dependência que o computador exerce sobre nós é o fato de sermos capazes de permanecer trabalhando ou navegando horas seguidas diante da tela, sem sentirmos a passagem do tempo. No entanto, torna-se uma dificuldade cada vez maior dedicar o mesmo interesse ao estudo, à reflexão, à leitura, à oração.
A internet não é simplesmente um instrumento para pesquisa e comunicação, ou uma ferramenta para realizarmos uma série de atividades relacionadas ao trabalho e ao lazer. Ela é, de fato, um verdadeiro mundo que se apresenta como alternativa ao mundo real, físico, aquele em que vivemos: quase poderíamos chamá-la de universo paralelo.
Sabemos que as pessoas excessivamente conectadas têm dificuldade para se concentrar e se recolher, para meditar e ponderar sobre suas vidas. Isso prejudica a vivência da união com Deus, uma vez que a velocidade e a interação com o mundo digital impedem muitos de nós de refletir e pensar por conta própria, porque nos acostumamos a responder imediata e instintivamente aos e-mails, às mensagens, às informações dos aplicativos.
A internet é um instrumento como os demais: o seu uso pode ser-nos de grande utilidade ou, ao contrário, servir para nos incutir o mal, tal como a literatura. Esta, sendo de qualidade, nos eleva o espírito, cativa a nossa alma e nos enriquece; se de autoria de alguém sem escrúpulos, porém, pode nos causar um grande mal-estar, ou até nos prejudicar realmente. O mesmo se pode dizer de uma peça de teatro, de um filme ou um seriado: pode provocar o bem ou o mal aos assistentes. Com o acesso à internet também corremos o risco de enveredar por caminhos lamacentos: da calúnia ao desprezo e à desvalorização dos indivíduos; da escravidão à pornografia.
O enorme volume de informações disponibilizado na internet pode constituir fonte de dispersão e superficialidade, quando se cede à tentação da curiosidade e da preguiça, pela perda de tempo com a “navegação”, de maneira que o conteúdo excessivo pode desinformar, fazendo a informação valiosa ficar perdida em meio a tanto lixo. Daí a importância de saber buscar e de contar com bons instrumentos de pesquisa, a fim de que também evitemos substituir nossa reflexão pessoal pela repetição de ideias alheias.
Por esses e por outros motivos, parece plenamente atual e necessário refletir sobre o nosso comportamento em relação às novas tecnologias. Como seres inteligentes e livres, sentimos a necessidade de manter o domínio sobre nós mesmos na utilização dessas ferramentas digitais e evitar que nos tornemos joguetes delas, o que frequentemente acontece sem a devida percepção.
De fato, como procuro ressaltar nesse novo livro, as novas tecnologias são um excelente instrumento de comunicação, mas – como toda realidade deste mundo – é preciso aprender a usá-las de modo virtuoso, ou seja, exercitando as virtudes humanas e as atitudes cristãs, sobre as quais versam essas páginas: amizade, liberdade, estudo, prudência, temperança, diálogo, contemplação, educação, evangelização etc.
Temos em mãos uns instrumentos fabulosos para enriquecer a nossa cultura, ampliar os nossos horizontes, atingir novos ambientes e conectar-nos com muitas pessoas. Pensemos nos grandes santos e escritores da Antiguidade: se Paulo de Tarso, Agostinho, Tomás de Aquino e Dante Alighieri, por exemplo, dispusessem dessas ferramentas digitais, seus escritos teriam talvez atingido cumes mais elevados de sabedoria e seus ensinamentos iluminariam muitíssimas mais gerações em todo o orbe da Terra.
A intenção desse trabalho consiste em propor uma reflexão sobre a influência do uso da internet em nossa vida cotidiana, do ponto de vista do nosso compromisso cristão.
* Editora Cléofas, 2021.