Dom Carlos Lema Garcia: ‘Os pais são os primeiros responsáveis pela educação dos filhos’
A mais recente edição do jornal O SÃO PAULO, apresenta uma reportagem sobre a indispensável e insubstituível participação dos pais no processo educativo dos filhos e o quanto é fundamental que ocorra um permanente processo de diálogo entre as instituições de ensino e a família.
Bispo Auxiliar da Arquidiocese e Vigário Episcopal para a Educação e a Universidade, Dom Carlos Lema Garcia foi um dos entrevistados. Leia a seguir a íntegra.
O texto-base da CF 2022 recorda que na vida em família, os pais têm o dever moral de educar e propiciar o desenvolvimento dos filhos, mas que necessitam da escola para assegurar a instrução de base de seus filhos (cf. texto-base, 182). De que maneira deve se dar essa interação entre pais e escolas, em especial na educação básica, para que não se retire da família a missão de ser o primeiro e indispensável sujeito educador?
Dom Carlos Lema Garcia – Além desta passagem, mais adiante o texto-base recorda o direito fundamental dos pais em relação à escolha da educação de seus filhos: “À família cabe o dever de educar, por essa razão, ela tem o direito de escolher a educação que dará a seus filhos e quais coadjutores associará a esse processo, considerando os valores que são para ela importantes. (n.183)
O Papa Francisco já havia expressado essa mesma convicção na exortação apostólica Amoris laetitia: “…parece-me muito importante lembrar que a educação integral dos filhos é, simultaneamente, ‘dever gravíssimo’ e ‘direito primário’ dos pais. Não é apenas um encargo ou um peso, mas também um direito essencial e insubstituível que estão chamados a defender e que ninguém deveria pretender tirar-lhes. O Estado oferece um serviço educativo de maneira subsidiária, acompanhando a função não-delegável dos pais, que têm direito de poder escolher livremente o tipo de educação – acessível e de qualidade – que querem dar aos seus filhos, de acordo com as suas convicções. A escola não substitui os pais; serve-lhes de complemento. Este é um princípio básico: qualquer outro participante no processo educativo não pode operar senão em nome dos pais, com o seu consenso e, em certa media, até mesmo por seu encargo”.
Assim, os atores principais da educação são os pais. Trata-se de um direito natural, oriundo da própria natureza da família: os filhos são educados pelos respectivos pais. E os pais delegam à escola a formação pedagógica dos seus filhos, sem, no entanto, desentender-se de sua responsabilidade primária. O Estado, por sua vez, deve prover as condições suficientes para que os pais possam exercitar esse direito de dar a educação adequada aos próprios filhos. Nesse sentido, o papel do Estado é verdadeiramente subsidiário: às famílias deve ser reconhecida a responsabilidade primeira em educar seus filhos e ao Estado cabe o dever de oferecer as condições pedagógicas e financeiras para a realização desse direito.
A CF 2022 tem como um dos focos refletir sobre o papel da família no processo educacional. No cotidiano deste processo, quais devem ser as principais atitudes dos pais, no que se refere à formação moral e intelectual dos filhos?
Encontramos algumas orientações do texto-base da CF 2022 no sentido de considerar “a missão educativa da família cristã como um verdadeiro ministério, através do qual é transmitido e irradiado o Evangelho, ao ponto de a mesma vida da família se tornar itinerário de fé e, em certo modo, iniciação cristã e escola para seguir a Cristo…” (n.184). Em seguida, fazendo uma clara alusão ao Evangelho de Lucas acerca do crescimento de Jesus, menciona a família como o lugar privilegiado para os filhos crescerem em sabedoria, idade e graça. Por isso se diz que a família é escola de virtudes. (cf. n.179). Na convivência com os irmãos e seus pais, os filhos, desde pequenos, aprendem a ajudar-se mutuamente, a dividir os brinquedos, a alegrar-se com as alegrias dos outros e a se entristecer com suas dores.
Assim, no âmbito da família, na convivência entre pais e filhos, é o lugar “onde se aprende a superar o egoísmo e a lançar-se no amor que cuida e seresponsabiliza pelo outro incondicionalmente. (n. 180).
Parece importante acrescentar ainda outras obrigações irrenunciáveis dos pais: eles têm o dever moral de educar e propiciar o desenvolvimento dos filhos, formando para os valores éticos, para o amadurecimento afetivo, para o desprendimento das coisas materiais e para o enfrentamento de situações de risco, como são, por exemplo, os abusos, as agressões e as drogas. (cf. n.181)
A partir da experiência do senhor à frente do Vicariato Episcopal para a Educação e Universidade, quais as principais dificuldades colocadas às famílias para que participem mais de perto do processo educativo dos filhos?
Em primeiro lugar, devemos considerar que parte das famílias passa por algum momento de crise e algumas delas estão desestruturadas. Para ajudar os alunos, será preciso dedicar-se ao acolhimento, à solidariedade e à formação dos pais. Penso que o diálogo constante e a troca de experiências entre os educadores e os pais é o caminho necessário para afrontar essas dificuldades.
Em segundo lugar, devemos considerar o desafio dos pais em acompanhar o processo educativo dos filhos: é verdade que, nos casos dos pais que passaram a trabalhar em casa, durante a pandemia, facilitou-se a sua presença e a participação mais direta nas aulas online dos filhos. Com a volta das aulas presenciais na maioria das escolas e o deslocamento dos pais para o local de trabalho, voltará a ocorrer a dificuldade de falta de tempo dos pais para estarem com os filhos em casa e acompanharem os processos educativos dentro da escola. Mas continua sendo fundamental que ambos – pai e mãe – acompanhem diariamente as tarefas, estudos e leituras recomendadas pela escola: trata-se de um dever irrenunciável dos pais para contribuir para o rendimento dos seus filhos na escola.
Nesse sentido, se entende aquele ditado africano que o Papa Francisco menciona para conclamar a responsabilidade de todos pela educação: “para educar uma criança, é preciso contar com toda a aldeia”. Assim, professores, pais e responsáveis pelas instituições de ensino formam, junto com os alunos, uma grande comunidade educativa.
Redes de diálogo e de contato entre as famílias podem colaborar de algum modo para o melhor êxito do processo educacional de crianças e adolescentes?
Partindo sempre de que os pais são os primeiros responsáveis pela educação dos próprios filhos, inúmeras iniciativas surgem dentro e fora das escolas. Penso que se trata de uma possibilidade a ser encorajada e apoiada por toda a sociedade, pelos legisladores e governantes. Assim, existem muitos tipos de rede de diálogo entre as famílias: de pais de alunos da mesma escola, para colaborarem diretamente com os professores na orientação pedagógica; famílias que organizam atividades extra-curriculares para os filhos dentro e fora da escola; de famílias que se reúnem para promover homeschooling para seus filhos; grupos de pais que promovem atividades de recreação, prática de esportes e de formação humana, espiritual para seus filhos etc.